15 fevereiro 2007

A impressão segundo Walter Ong













Walter Ong – Oralidade e cultura escrita - reflexão


Impressão, Espaço e Fechamento

Após a leitura integral deste livro, uma primeira impressão me fixou na memória, a de alguma tristeza por alguém que fez uma prova de que Homero, afinal, não era um poeta, mas sim um habilidoso da fonética métrica. Desencantos…
Registei uma segunda impressão, temporal, essa bem mais prosaica que poética, o comparativo impacto social na «aldeia global» da passagem da fala à escrita, e da passagem do manuscrito e privado, ao impresso e público, são de facto duas situações pontuais de absoluta singularidade na história social do homem. Há mesmo quem compare as apreensões de Platão ao seu tempo sobre a escrita, aos pessimismos de Hieronimo Squarciafico “ a abundância de livros torna os homens menos atentos, destrói a memória e enfraquece a mente “
Um último e forte terceiro registo de dualidade: a da escrita que nasceu da fala, até à fala que emerge da leitura escrita, e suas curiosas etapas transitórias, poder-se-á dizer que o discípulo «aprisionou» o mestre ?
Este texto tem por objectivo uma reflexão sobre o capítulo 5, Impressão Espaço e Fechamento, do livro – Oralidade e cultura escrita – Walter Ong .
A minha opção temática foi em busca dos predicados atribuídos pelo autor ao termo “impressão” enquanto substantivo e sujeito.


Eisenstein – A imprensa implementou a Reforma protestante e reorientou a prática religiosa.
Aqui temos um caso em que a religião beneficiou da impressão, para depois séculos mais tarde tudo se inverter e renegar, dando lugar aos conhecidos autos de fé .
A imprensa afectou o desenvolvimento do capitalismo moderno, alterou a vida social, mudou a vida em família.
Quanta alteração social contida neste parágrafo, uma verdadeira revolução.
A impressão difundiu o conhecimento e afectou a consciência .
As mentes preenchidas e em convulsão.
A impressão sugere que as palavras são coisas.
O abstracto e o concreto em discussão filosófica.
A impressão constituiu a primeira linha de montagem .
A industrialização: letra, letra, palavra, palavra, linha, linha, folha, folha.
A impressão serve para reciclar o conhecimento.
A reciclagem pela voz (som) só surgiu 4 a 5 séculos mais tarde.
A impressão reificou a palavra.
Mais filosofia do abstracto ao concreto.
A impressão encerra as palavras em uma posição fixa nesse espaço, numa matriz rígida, num alinhamento irrepreensível, não tem o arredondamento nem o “esguiamento” caligráfico do amanuense, é “justificada”.
Nasceu aqui a burocracia ? As letras e palavras como soldados e batalhões imóveis numa parada, mas prontos a sair para guerra ?
A impressão favorece a leitura rápida e silenciosa, e inerentemente uma relação diferente entre o leitor e a voz autoral do texto.
A cumplicidade ou o distanciamento “à vontade do freguês”
A impressão envolve muitos recursos humanos e materiais orientados para o consumidor.
Do artesanato individual à produção massiva.
A impressão moldou um novo mundo noético espacialmente organizado.
A passagem da elocução à coisa, novamente a filosofia.
A impressão implementou as descrições expressas com precisão, assim como de processos complexos.
A grande qualidade por pouco dinheiro, o milagre económico.
Com a impressão nasce o normativo espaço em branco no papel .
Aqui é o leitor a decidir o que fazer ao espaço das margens, deixá-lo imaculado, preenchê-lo, ou assinalando simples marcas, os monges copistas por convicção de intervenção pessoal, sempre acrescentavam algo na margem para o próximo copista ou para o leitor.
A impressão produziu a poesia concreta.
A antítese do parágrafo anterior, não há espaço em branco normativo, todo o espaço é válido para a expressão.
A impressão tirou a antiga arte da retórica ( fundada na oralidade ) do centro da educação académica.
O clímax da transmissão do conhecimento a qualquer hora e em qualquer lugar.
A impressão estabeleceu o clima em que nasceram os dicionários, produziu-os exaustivamente e alimentou o desejo de legislar sobre a correcção da linguagem.
Mais uma consequência burocrática «pesada», nascida de um objecto que nasceu para ser «leve», e que leva à questão que registei em terceiro lugar, o discípulo que «aprisiona» o mestre.
A impressão constitui um factor importante da percepção da privacidade pessoal, produzindo livros mais pequenos para o cenário da leitura individual.
Mais uma alteração social e psicológica de relevo, da leitura e audição pública em voz alta, para a leitura em silêncio privado.
Com a impressão começa a pirataria intelectual ( plágio ) massiva .
Como é actualíssima esta questão com 5 séculos !
A impressão retirou as palavras do mundo do som, onde tinham afinal nascido.
Uma autentica mudança de estado, comparável ainda que generosamente ao fenómeno químico da deposição.
A impressão favorece uma sensação de fechamento e ou de finalização.
O que está dito ( escrito ), dito ( escrito ) está, e repete-se infinitamente e conclusivamente assim. A mensagem do autor perdura infinitamente até depois da sua morte, inalterável, os apontamentos marginais não são de sua conta, as ilações ficam por conta de cada um, o autor não está lá ( ou cá ) para as rebater. Por último, uma história tem que ter um «fim», um estudo tem que ter uma conclusão, nada é editado sem estas componentes, não se dando o fechamento não vale a pena publicar, é um logro.
A impressão origem à moderna questão da intertextualidade.
Os dicionários e as enciclopédias impressas, são a primeira forma de intertextualidade, aqui a leitura não tem de ser linear, podemos saltar linhas, páginas e capítulos à medida da nossa necessidade de procura.

Com a impressão surgiu a utilidade e o mercado para as obras “menores”, como o catecismo e o manual .
Aprender um ofício ou um credo, de modo individual e pragmático, foi também um grande avanço para a evolução humana, cada um aprende de per si o essencial a um qualquer modo de (sobre)vivência, e sem custos de mestre…
A impressão fez nascer o ponto de vista fixo e o tom fixo.
Ou seja o leitor é cúmplice do autor, quando segue a leitura até ao fim, por mais que o autor devaneie no seu caminho e estilo. Não há dúvida, nem suspeita de que faltará «um final, um fechamento». Esta cumplicidade também já se verifica actualmente nas edições electrónicas, ou seja uma outra forma moderna e recente de «impressão».


Conclusão : Apesar deste somatório de predicados e elogios à «impressão», que nasceu da fala para depois crescer e aprisionar a própria mãe, emerge um valor inquestionável, não fala bem quem não lê.